domingo, 21 de junho de 2015


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Os visitantes que chegam de avião a esta agitada metrópole tropical desembarcam em um aeroporto moderno de aço e vidro que simboliza as aspirações de Mianmar de voltar a fazer parte do mundo globalizado, após anos de isolamento e de problemas.
No entanto, a empresa que construiu o terminal, a Asia World, foi fundada por um dos maiores chefões do narcotráfico local, cuja milícia vendia heroína extraída dos campos de ópio do interior montanhoso do país.
É quase impossível ir a Mianmar hoje sem topar com outras obras da empresa: rodovias, hidrelétricas, grandes portos e um dos hotéis mais luxuosos do país, o Sule Shangri-La, no centro de Yangon.
Não há evidências de que a empresa hoje tenha quaisquer vínculos com o tráfico de drogas, mas num momento em que Mianmar procura se modernizar após décadas de ditadura, o papel cumprido pela Asia World deixa muito claro como o narcotráfico está profundamente entrelaçado com a nova economia nacional.
"O capital semente da economia mianmarense vem da heroína", disse Ronald Findlay, da Universidade Columbia, em Nova York. Findlay nasceu na então Birmânia colonial. O governo militar mudou o nome do país para Mianmar em 1989. "Se esse é um exagero, não é um exagero enorme."
De acordo com entrevistas com corretores imobiliários, economistas, policiais e ex-policiais, os lucros do tráfico ilícito de drogas vêm sendo uma fonte importante de investimentos na reconstrução do país.
As empresas ligadas ao tráfico estariam construindo novas rodovias e pontes e mudando a linha do horizonte da maior cidade de Mianmar, Yangon.
Até pouco tempo atrás, Yangon era uma cidade congelada no tempo e sem altos edifícios, com calçadas perigosamente esburacadas e prédios coloniais decrépitos. Hoje se veem guindastes em quase todas as partes da cidade, e outdoors promovem a opulência de altos edifícios em construção.
A nova infraestrutura pode ser bem-vinda, mas a economia baseada nas drogas coloca em risco a transição democrática no país.
Para analistas, o tráfico de drogas intensifica a corrupção, reforça o poder dos militares e corre o risco de fazer Mianmar voltar a ser um Estado pária.
Desde que o país começou a se abrir ao resto do mundo, quatro anos atrás, o tráfico de heroína cresceu muito. As Nações Unidas estimam que o cultivo da papoula do ópio tenha quase triplicado nos últimos seis anos. Mianmar se converteu no segundo maior produtor mundial de heroína.
Especialistas dizem que os chefões do tráfico em Mianmar têm receita anual estimada em cerca de US$ 2 bilhões. Entretanto, num país onde muitas transações comerciais e imobiliárias ainda são feitas em dinheiro vivo e onde menos de 15% dos adultos têm uma conta bancária, é quase impossível identificar para onde vai todo esse dinheiro.
Economistas e corretores de imóveis dizem que o tráfico de drogas ajuda a alimentar a alta vertiginosa dos preços dos imóveis nas maiores cidades do país.
"Quase todos os envolvidos neste negócio estão fazendo lavagem de dinheiro", disse U Sai Khung Noung, gerente de uma imobiliária de Yangon.
Ele calcula que o preço médio dos apartamentos em Yangon tenha subido 600% nos últimos dez anos, chegando à média de US$2.700 por metro quadrado -valor mais alto que o preço médio em um edifício residencial novo em Bancoc (Tailândia), cidade muito mais rica.
As drogas ilegais não são a única fonte de dinheiro do mercado negro. Durante o governo militar, que chegou ao fim em 2011, o tráfico de teca, jade e gemas preciosas também gerou enormes fortunas ilegais.
A partir de 2007, quando o governo reduziu os impostos sobre imóveis de proibitivos 50% para 15%, os traficantes aproveitaram a oportunidade para aplicar o dinheiro vivo no setor.
O corretor imobiliário U Khin Maung Aye, de Yangon, contou que o comprador de uma casa própria já lhe levou o pagamento de entrada, o equivalente a US$ 200 mil, em sacos de arroz cheios de dinheiro vivo -algo que não é incomum no caso de compras de imóveis. O comprador foi preso posteriormente por tráfico de drogas e sentenciado a 20 anos de prisão, segundo a polícia.
Porém, casos assim são relativamente raros no país, onde a polícia é fraca e grandes territórios são controlados por milícias étnicas, não pelo governo central.
As autoridades dizem que o trabalho da polícia é dificultado pelo legado da ditadura, sob a qual o sistema educacional foi destruído, milhões dos cidadãos mais qualificados abandonaram o país e a economia e os bancos se tornaram disfuncionais.
U Tin Maung Than, diretor de uma organização de pesquisas que assessora o governo, diz que o Mianmar não tem meios de distinguir o dinheiro limpo do dinheiro sujo. "Não existe mecanismo ou capacidade efetiva de reprimir a lavagem de dinheiro e a corrupção", afirmou.
Pelo fato de a maior parte da economia ser informal, ele explicou -ou seja, não regulamentada e movida a pagamentos em dinheiro vivo-, "se reprimíssemos os negócios do setor informal e o dinheiro sujo, não haveria espaço para tanta gente nos presídios do país".

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