sábado, 26 de setembro de 2015


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Todos os dias, quando soa o chamado à oração ao amanhecer, mulheres e crianças partem em silêncio de Douma, subúrbio de Damasco, para as áreas agrícolas dos arredores, buscando se proteger dos bombardeios diários lançados pelo governo sírio.
A caminhada faz parte de uma rotina surreal descrita pela minúscula parcela dos moradores de Douma que permanece na cidade: as compras feitas em ruas parcialmente demolidas, a coleta de verduras e frutos silvestres e os enterros em massa. Não que a segurança esteja garantida na área rural: recentemente, segundo paramédicos, bombas mataram duas famílias nos campos -dez pessoas, incluindo sete crianças.
Essa é a vida da qual fugiram os milhares de sírios que chegaram à Europa nos últimos meses. Para trás, ficaram bairros cada vez mais vazios -desde os subúrbios de Damasco até os da cidade de Aleppo.
Os bombardeios acontecem há anos em áreas dominadas pelos insurgentes, como Douma, uma das primeiras a se rebelar contra o governo em 2011.
Ainda assim, a situação pode se agravar, como ficou claro nos últimos 30 dias.
As forças governamentais iniciaram uma saraivada de ataques ainda mais intensa que o normal, usando não apenas morteiros, com os quais os moradores de Douma já se acostumaram, mas também ataques aéreos.
Possivelmente quatro em cada cinco moradores já abandonaram a comunidade, que antes abrigava cerca de meio milhão de moradores.
Mais de 550 pessoas, em sua maioria civis, morreram no último mês em Douma e nos subúrbios próximos. Segundo a Cruz Vermelha, 123 eram crianças.
O paramédico Ahmed, que pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome, disse que a violência está abalando as pessoas que ainda permanecem no país.
Dos moradores de Douma que ainda restavam na cidade no início de agosto, disse, metade fugiu, enquanto os restantes fazem a caminhada diária para se esconder nos campos ou então "ficam encurralados em suas casas, rezando para não serem mortos".
À medida que a atenção internacional foi se deslocando para a violência do Estado Islâmico (EI) e à ameaça representada pela facção fora da Síria, menos atenção está sendo dada ao embate original entre o ditador Bashar al-Assad e os grupos insurgentes que se rebelaram depois da repressão ao movimento de protestos em 2011.
No entanto, grupos que defendem a oposição síria, além de entidades internacionais como a Human Rights Watch, argumentam que os bombardeios pelo governo de áreas sob domínio insurgente, como Douma, têm um custo maior para a população civil, matando muito mais pessoas do que os ataques feitos pelo EI.
O governo sírio diz que está bombardeando terroristas. Douma se insurgiu desde o início dos protestos, e muitos de seus moradores se armaram. Hoje a cidade é reduto do grupo insurgente Exército do Islã. A Frente Nusra, braço da Al Qaeda na Síria, também é ativa ali. O EI não é ativo, pelo que se sabe.
Em termos de escala, o bombardeio de áreas rebeldes pelo governo chegou a outro nível. Os ataques já devastaram grandes setores do centro de Homs, no oeste da Síria, de Aleppo e dos subúrbios de Damasco. Em Aleppo, as armas mais usadas são bombas de fragmentação embaladas em barris. Elas são despejadas de helicópteros e não têm direcionamento preciso.
Nos últimos 30 dias, mais de 450 civis morreram em bombardeios governamentais em Ghouta Oriental, semicírculo de cidades em torno de Damasco controladas pela oposição. A informação é do Crescente Vermelho árabe sírio. Segundo a entidade, muitas das vítimas eram de Douma.
Mas não são apenas os bombardeios que distorcem a vida em Douma. Anos de bloqueios governamentais forçaram os moradores a recorrer a túneis e contrabandistas para obter mercadorias básicas. A ajuda humanitária não chega ali, e poucas pessoas conseguem entrar ou sair. Tanto os combatentes do governo quanto os da oposição recebem propinas e lucram com o contrabando.
Alguns insurgentes atuam como chefes de guerra. Por isso, para fugir é preciso tratar com contrabandistas de pessoas e correr novos riscos.
Os problemas começam no momento em que as pessoas deixam seu próprio quarteirão, a caminho de Damasco. As pessoas que conseguem chegar à capital -somando-se aos 7 milhões de sírios deslocados no interior do país- podem ser molestadas pelas forças de segurança, que desconfiam de pessoas originárias das áreas sob controle da oposição.
Esse fato leva muitos a partir para o Líbano, a Jordânia ou a Turquia, países que abrigam a maior parte dos 4 milhões de sírios cadastrados como refugiados no exterior. Porém, os países vizinhos estão ficando menos hospitaleiros, começando a dificultar a residência de estrangeiros e a reduzir os benefícios dados a eles.
Por isso os refugiados tentam ir mais longe, possivelmente à Europa. Sua outra opção é voltar a Douma e a uma guerra que já dizimou um quarto de milhão de sírios.
A vida ali só pode ser vislumbrada nos vídeos postados por insurgentes, ativistas e funcionários de serviços de resgate.
Em um vídeo recente, um voluntário, possivelmente adolescente, carregava o corpo de um garotinho sobre o ombro. Em outro, um jovem resgatava um corpo ensanguentado oculto sob pedras.
Os moradores de Douma batizaram o dia 16 de agosto de "domingo negro". Nesse dia, segundo grupos de monitoramento, pelo menos 122 pessoas morreram em ataques aéreos. O médico Adnan Tobaji fez cirurgias em uma clínica improvisada, em alguns momentos trabalhando sobre o chão, sem anestésicos ou materiais esterilizados.
Os novos ataques devastaram o pouco movimento restante nas ruas de Douma. As autoridades locais impuseram um toque de recolher e chegaram a cancelar as orações de sexta-feira.
A queda livre da cidade levou Tobaji e várias centenas de seus colegas e outros moradores a assinar uma petição pedindo uma trégua humanitária completa, na esperança de que ela possa inspirar negociações e o fim da guerra.
O chamado é surpreendente pelo fato de vir da rebelde Douma. Ele não faz exigências relativas ao destino de Bashar al-Assad, algo que há muito tempo vem sendo um obstáculo. "O destino de Assad não é nada para nós quando comparado ao destino da Síria, de seu povo e de suas crianças", disse Tobaji.
"Neste momento, enquanto conversamos, um sírio está sendo abatido. Precisamos encontrar uma solução para pôr fim à guerra de qualquer forma."

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