domingo, 18 de julho de 2010

A música estilo dance trovejava entre a multidão de milhares de fãs bêbados, passando pelos pavilhões onde mulheres magras com saltos incrivelmente altos giravam em torno de barras de metal e ecoando nas ruas cheias de táxis que trazem os festeiros para esse show gratuito, banhado a uísque, no parque.
"Nossos pais não permitem, mas fazemos de qualquer modo", disse Zun Pwint Phyu, uma das dançarinas.
Em Mianmar (antiga Birmânia), possuir um aparelho de fax sem autorização é ilegal, as reuniões espontâneas de mais de cinco pessoas são tecnicamente proibidas, e os críticos do governo são habitualmente trancados durante décadas em pequenas celas de prisão.
Mas, apesar dessa repressão, ou talvez em parte por causa dela, os jovens birmaneses estão forçando os limites do que o governo militar, e mais ainda seus pais, consideram aceitável como arte e diversão.
Exposições de arte, algumas apresentando arriscadas mensagens políticas ocultas, são inauguradas quase toda semana em Yangun, a principal cidade de Mianmar. Yangun tem um festival de música underground, que inclui bandas punk, duas vezes por ano. Os fãs dos gêneros musicais mais populares, hip-hop e música eletrônica para dançar, usam calças frouxas e longas nos shows realizados regularmente ali.
U Thxa Soe, artista popular que mistura "danças espirituais" tradicionais com algo que parece música tecno, disse acreditar que, nos últimos anos, o governo tolerou os shows selvagens em parte porque se adequava a sua estratégia de controle. "Você precisa apertar e soltar, apertar e soltar", disse.
"Nós vivemos com medo", agregou. "Vivemos sob uma ditadura. As pessoas precisam de ar fresco e liberam sua raiva, sua energia."
O sucesso de artistas como Thxa Soe mina a imagem muitas vezes monocromática de Mianmar como lugar de liberdade zero. Esse país é brutalmente autoritário -grupos de direitos humanos contam 2.100 prisioneiros políticos. Mas mesmo que os generais quisessem, dizem as pessoas dali, o governo provavelmente não seria capaz de exercer um totalitarismo no estilo norte-coreano. A sociedade birmanesa é rebelde demais, desorganizada e corrupta; as pessoas são criativas demais, e o clima é quente demais para uma repressão 24 horas.
"O governo está tentando afastar a população da política", disse um empresário birmanês educado no Ocidente que não quis se identificar porque acha que poderia prejudicar sua empresa. "Não há pão suficiente, mas há muito circo."
Thxa Soe é um dos músicos mais assediados do país, constantemente chamado para ouvir reprimendas dos censores, que proibiram 9 das 12 faixas de seu disco recente.
Eles mandaram que ele apagasse outras canções ao longo dos anos de DVDs e CDs e aprovaram uma lei no ano passado que proíbe seu estilo musical inovador.
Mas, em um sinal revelador das complexidades da sociedade birmanesa, sua música é popular entre funcionários públicos. Às vezes ele brinca com os militares da inteligência enviados para espionar seus shows. Eles também são fãs, explicou. "Algumas pessoas no governo gostam de mim, algumas me odeiam", disse Thxa Soe.
Especular sobre que tipo de atividade o governo vai tolerar é um tema habitual de conversas ali, especialmente entre os que forçam os limites.
U Nyein Chan Su, artista cujo trabalho é frequentemente reprovado pelos censores, disse que o governo parecia estar particularmente preocupado com a arte abstrata. "Minha opinião é que só permitem a arte que eles compreendem", disse. "Eles têm medo que os artistas estejam fazendo coisas políticas usando arte contemporânea."
Ele cita o exemplo da pintura de um artista que foi rejeitada pelos censores porque mostrava mulheres com expressões contemplativas. "Eles disseram: 'Por que você não pinta as mulheres sorrindo?'"

Nenhum comentário: