domingo, 18 de julho de 2010

Um homem sem camisa acende velas no quarto. Uma mulher aparece na porta. "Vamos, não podemos nos atrasar", ela suplica, mas seus olhos transmitem outra mensagem.
É apenas um dia de trabalho como outro qualquer para os astros e estrelas de "Gumus", a telenovela turca que, nos dois anos desde que entrou em cartaz no Kanal D, vem oferecendo ao país não apenas o milagre das preliminares ao sexo na televisão diurna, como também o compêndio de praxe de reviravoltas malucas em sua trama.
Não há nada nisso que surpreenderia um espectador ocidental. Mas a TV turca inovou no setor das telenovelas, ao mostrar sequestradores, adúlteros e personagens envolvidos em tramas rocambolescas -todos muçulmanos. E o público árabe está fascinado.
Liderada por "Gumus" (ou "Noor" em árabe), uma onda de seriados e novelas turcos, incluindo melodramas, seriados policiais e thrillers sobre conspirações, vem abrindo caminho nos aparelhos de TV árabes, exercendo uma espécie de "soft power".
Pela telinha, a Turquia começou a exercer sobre a cultura árabe uma influência profunda de um tipo com o qual os EUA só podem sonhar. E, não por coincidência, suas exportações culturais também têm favorecido as ambições políticas da Turquia.
As mulheres árabes, em especial, estão deixando clara a admiração que sentem pela história da personagem-título de "Noor", uma mulher forte, com tino para os negócios e que tem um marido chamado Muhannad que a adora.
A pediatra saudita Shafira Alghamdi, que passava férias em Istambul neste mês, explicou que os maridos árabes com frequência ignoram suas mulheres. Em "Noor", dentro de um contexto de casamentos arranjados ainda familiar para os árabes, Noor e Muhannad se amam e se admiram abertamente.
"Muitos homens sauditas sentem ciúmes sérios de Muhannad, porque suas mulheres dizem 'por que você não pode ser mais como ele?'", contou Alghamdi. Enquanto isso, ela própria ilustrava outra consequência da novela: o repentino e espetacular boom do turismo árabe na Turquia.
Mesmo os "fatwas" (decretos) de clérigos sauditas pedindo o assassinato dos distribuidores da telenovela não desencorajaram uma loja em Gaza de vender cópias dos vestidos usados em "Noor", sem mangas.
Uma charge recente em um jornal saudita mostrou uma pessoa procurando um cirurgião plástico, carregando uma foto do marido de Noor e perguntando ao cirurgião se pode ficar bonito como o ator.
"Os homens árabes dizem que não veem esses programas, mas assistem, sim", disse Arzum Damar, que trabalha em Istambul.
"Em última análise, o importante é a cultura local", disse Irfan Sahin, executivo-chefe da Dogan TV Holding, a maior empresa de mídia da Turquia, à qual pertence o Kanal D. "As pessoas reagem ao que lhes é familiar."
"É preciso entender que há pessoas vivendo hoje, até mesmo nesta cidade, que dizem que só aprenderam a beijar, e só souberam que o sexo envolve beijar, quando assistiram a 'Noor'", explicou Sengul Ozerkan, professora de TV em Istambul. "Então você pode imaginar por que o impacto da novela foi tão grande no mundo árabe."

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