sábado, 19 de março de 2011

Hirosato Wake olhou para as ruínas da sua pequena cabana de pescador: esqueletos de prédios destroçados, telhas metálicas retorcidas, corpos com as mãos crispadas como se fossem garras. Somente em uma outra ocasião ela havia visto algo como aquilo: na Segunda Guerra Mundial.
“Eu sobrevivi aos bombardeios aéreos a Sendai”, diz Wako, 75, referindo-se aos bombardeios dos aliados contra esta que é a maior cidade do nordeste do Japão. “Mas isto aqui é muito pior”.
Para os idosos que moram nas vilas ao longo da costa do nordeste do país, esta catástrofe representa um retorno a um passado de privações que os filhos deles nunca conheceram. Assim como ocorreu em grande parte do interior do Japão, muitos jovens daqui foram embora, procurando emprego na cidade. Os idosos que ficaram estão se deparando com a devastação e uma possível contaminação radioativa, um desafio que só se equipara ao problema que essa geração enfrentou quando a sua nação derrotada e desesperada teve que ser reconstruída a partir das ruínas da guerra.
Nesta cabana em Yuriage, a busca por sobreviventes se transformou em uma procura por corpos. E a maior parte desses corpos era de pessoas velhas – muito velhas para fugirem do tsunami.
Yuta Saga, 21, estava catando os cacos de copos quebrados após o terremoto quando ouviu as sirenes e gritos de “Tsunami!”. Ele pegou a mãe pelo braço e correu para a escola de segundo grau, a construção mais alta da área. O tráfego ficou inteiramente congestionado, já que os motoristas em pânico colidiam os seus veículos. Ele foi capaz de avaliar o avanço da onda pelas nuvens de poeiras que iam sendo criadas à medida que os prédios desmoronavam.
Quando chegaram à escola, Saga e a mãe encontraram a escada que levava ao telhado inteiramente tomada por pessoas idosas que pareciam não ter forças para subir. Algumas estavam simplesmente sentadas ou deitadas nos degraus. No momento em que o andar inferior começava a ficar superlotado com as pessoas que fugiam, a onda atingiu o prédio.
No início, as portas suportaram o choque. Mas depois a água começou a entrar pelas frestas e a inundar o aposento. Em pânico e desesperados para chegarem ao telhado, os moradores mais novos começaram a empurrar os outros e a gritar, “Rápido!” e “Saiam da frente!”. Eles passaram por cima daqueles que não estavam se movendo e os imprensaram para os lados com cotoveladas.
“Eu não podia acreditar naquilo que via”, disse Saga. “Eles chegaram a empurrar os velhos para abrir caminho. Os idosos não tinham como se salvar por conta própria. As pessoas não se importam umas com as outras.”
Foi então que as portas não resistiram e se escancararam, e a água invadiu o lugar. Logo todos estavam com água pela cintura. Saga viu uma mulher idosa, sem forças ou vontade para ficar de pé, sentada na água, que chegou ao seu nariz. Ele correu até a idosa, pegou-a pelas axilas e subiu com ela pela escada. Uma outra pessoa na escada pegou a velha e a passou para outra pessoa que estava alguns degraus acima. Os homens formaram uma corrente humana, carregando os idosos e algumas crianças até o topo do prédio.
“Eu vi o lado feio das pessoas, e depois vi o lado bom”, conta ele. “Algumas pessoas só pensam em si próprias. Outras param para ajudar”. Saga diz que uma mulher entregou a ele o filho pequeno. “Por favor, pelo menos salve o bebê!”, suplicou ela, com a água já à altura do peito. Saga disse que pegou o bebê e subiu a escada correndo com ele. Muitas das pessoas que ainda estavam ao pé da escada foram arrastadas pelas águas.
Ele se juntou a cerca de 200 pessoas que estavam no segundo andar do prédio. A mãe do bebê subiu a escada correndo, e ele colocou a criança nos braços delas. Das janelas, eles viram casas e carros sendo carregados pela onda. Ele conta que as pessoas não falavam. Elas só choravam e gemiam, com um ruído coletivo, enquanto observavam a destruição se propagar.
Saga viu um dos seus colegas de escola, cujos pais tinham voltado para casa para pegar alguns objetos quando a onda chegou e não conseguiram chegar até à escola. O amigo dele estava sentado no piso, chorando.
A família de Saga estava segura, incluindo o seu irmão de 15 anos, Ryota, que fugiu para a escola de bicicleta. Na segunda-feira, os dois irmãos retornaram a Yuriage pela primeira vez. A casa deles ficou completamente destruída; dela só restaram as fundações. Quando chegaram lá, um alarme de tsunami soou. Eles correram para um lugar mais elevado, e o garoto mais novo começou a chorar. “Ele não consegue apagar a memória daquilo que aconteceu”, diz Saga. “Muitos dos meus amigos estão desaparecidos”, diz Ryota.
Hisako Tanno, 50, trabalhava em um depósito de mercadorias quando houve o terremoto. Ela seguiu para casa a fim de pegar o pai de 77 anos de idade. Ao estacionar o carro em frente à casa, ela escutou gritos. Tanno olhou para a rua e viu uma “montanha de lixo” movendo-se pela rua em direção a ela. Era a onda.
“Só tive tempo de pegar a minha bolsa e correr”, diz Tanno.
Os vizinhos telefonaram para Tanno, e ela correu até o segundo andar da casa deles. Foi aí que ela se lembrou de que havia deixado o pai para trás.
Ela podia ver a sua casa da janela dos vizinhos. Ao atingir a casa, a onda derrubou as portas de correr. Neste momento, horrorizada, ela viu o pai ser arrastado para fora. A água tinha agora a altura de uma casa de um andar. Ela viu o pai agarrar-se à base da grade de ferro da varanda do segundo andar da casa.
“Ele estava tentando içar-se para fora d’água, mas a perna dele não funcionava muito bem”, conta Tanno.
Em meio à água que subia sem parar, o pai dela conseguiu de alguma maneira subir na grade de metal. Ele ficou agarrado à grade, lutando pela sobrevivência.
“Eu não sabia que ele tinha tanta força”, diz ela. “Ele tinha tanta vontade de viver que acabou encontrando aquela última reserva de energia”.
Depois do terremoto, Jun Kikuchi, 33, que é dono de uma companhia local de táxi, foi até às casas de seis moradores com mais de 70 anos de idade e perguntou se eles desejavam ir para um local mais elevado. Eles se recusaram, argumentando que não tinha havido nenhum alerta de tsunami, de forma que permaneceriam em casa.
Kikuchi sobreviveu ao terremoto subindo para o segundo andar do escritório da sua companhia, que resistiu à força do tsunami. Na manhã seguinte, quando ele finalmente se aventurou a sair, as casas de todos os seis idosos que ele visitara tinham sido arrastadas pelas águas. “Os idosos não são capazes de se proteger em um desastre desse tipo”, explica Kikuchi. “Eles não tiveram a menor chance”.

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