domingo, 20 de março de 2011

Jin Sato, prefeito deste tranquilo porto pesqueiro, tinha acabado de fazer um discurso na assembleia municipal sobre a necessidade de fortalecer os preparativos para um tsunami quando ocorreu o terremoto. O tsunami ocorreu pouco mais de meia hora depois, ultrapassando em muito seus piores temores.
Ele e outros sobreviventes descreveram um muro de água marrom espumante que atravessou esta cidade de mais de 17 mil habitantes tão rápido que poucos puderam escapar. As autoridades municipais disseram que mais de 10 mil pessoas podem ter sido engolidas pelo mar. Mesmo muitos daqueles que chegaram a um terreno mais elevado não foram poupados de ondas que os sobreviventes disseram ter chegado a mais de 18 metros de altura.
“Foi uma cena do inferno”, disse Sato, 59 anos, com os olhos vermelhos de lágrimas. “Foi além de qualquer coisa que poderíamos imaginar.”
Grande parte da destruição provocada pelo tsunami, que atingiu a costa nordeste do Japão na sexta-feira, foi registrada pela televisão, para que todos pudessem ver. Mas a devastação mais letal ocorreu em comunidades pesqueiras remotas como esta, onde os moradores disseram que as montanhas íngremes e as pequenas baías ampliaram o tamanho da onda esmagadora, não registrada por helicópteros dos noticiários de TV ou vídeos de Internet.
Os únicos registros agora são os relatos dos sobreviventes e, enquanto a notícia sobre o que aconteceu aqui começa a se espalhar, mesmo o Japão atingido pelo desastre se vê horrorizado.
Nesta cidade, e em outras próximas, o tsunami criou cenas de destruição quase apocalíptica. Sobreviventes traumatizados agora pensam que os vivos e os mortos foram separados por um mero capricho de uma parede de água devoradora, veloz, e por decisões às vezes de fração de segundo.
Yasumasa Miyakawa, 70 anos, que é dono de uma lavanderia no piso térreo de sua casa, disse que ele e sua esposa correram para uma colina quando ouviram o alerta de tsunami. Então Miyakawa voltou, porque esqueceu de desligar o ferro e teve medo de que pegaria fogo.
Quando ele saiu de sua loja, ele ouviu as pessoas na colina acima dele gritando: “Corra!” Uma onda investia contra ele, a cerca de 800 metros de distância na baía, ele contou. Ele entrou em seu carro e quando virou a chave e engatou a marcha, a onda já estava quase sobre ele. Ele disse que acelerou para fora da cidade perseguido pela onda, que se erguia em seu espelho retrovisor.
“Foi como uma das cenas ridículas de um filme de ação, exceto que foi real”, disse Miyakawa, com suas mãos tremendo. “Eu estava a 70 quilômetros por hora e a onda estava me alcançando. Ela foi assim rápida.”
Quando ele voltou na manhã seguinte, ele encontrou sua casa reduzida às fundações e ouviu fracos gritos de ajuda. Ele os seguiu até o prédio de apartamentos vizinho, onde encontrou uma mulher tremendo e molhada em meio ao frio de março. Ele então a levou para um abrigo. “A onda matou muitos”, ele disse, “mas poupou alguns poucos”.
Entre estes estavam as crianças da cidade, cujas escolas ficavam localizadas no alto de uma colina.
De fato, as crianças disseram que nem mesmo perceberam a onda. Ryusei Tsugawara, um estudante de 13 anos, disse que percebeu que algo estava errado quando a aula chegou ao fim e os professores não deixaram as crianças irem para casa. Em vez disso, as crianças permaneceram na escola até o dia seguinte, quando seus pais vieram buscá-las.
Alguns pais não vieram, e as crianças desafortunadas foram colocadas aos cuidados de amigos e parentes, disseram as autoridades municipais. “A cidade desapareceu e tenho medo de permanecer aqui”, disse Ryusei.
Uma decisão de subir na cobertura da prefeitura provou ser fatídica para muitos. Sato, o prefeito, disse que ele e outros funcionários municipais correram para observar a onda que se aproximava do alto do prédio, que por estar a três andares de altura e a 800 metros da costa parecia ser um local seguro.
Em vez disso, disse Sato, a água atingiu o prédio e varreu seu teto, o prendendo contra uma grade de ferro, com sua cabeça pouco acima da água. Ele disse que foi o único motivo para ter sobrevivido. Das 30 pessoas que estavam na cobertura, apenas 10 sobreviveram se agarrando à grade ou à antena.
Após o recuo das águas, Sato e outros sobreviventes trêmulos na cobertura reuniram pedaços de madeira e espuma para acender uma fogueira. Na manhã seguinte, eles usaram algumas cordas de pesca para descer. Aproximadamente 7.500 sobreviventes se reuniram em abrigos nas colinas, onde permanecem sem eletricidade, aquecimento ou água encanada, aguardando por ajuda de fora.
As autoridades municipais disseram que aproximadamente 10 mil moradores estão desaparecidos, apesar de não saberem exatamente quantos, porque muitos dos registros e documentos da prefeitura foram destruídos pela onda. Mil corpos já foram encontrados, segundo o noticiário local, um número que as autoridades se recusaram a confirmar ou negar. Muitos mais devem estar presos em escombros, ou enterrados sob a lama marrom que o tsunami deixou para trás.
De modo semelhante em Kesennuma, a aproximadamente 25 quilômetros ao norte daqui, as autoridades disseram que uma baía de 10 quilômetros que acolhia uma cidade também provou ser sua ruína, canalizando e comprimindo o poder do tsunami até, no final, a onda se erguer a quase 15 metros de altura.
A escala da destruição, disseram as autoridades, ultrapassou em muito os modelos de pior cenário das projeções dos especialistas em tsunami. A onda arrasou completamente aldeias de pescadores e enclaves residenciais de cima a baixo de um estreito, destruiu a usina de tratamento de esgoto da cidade e destruiu mais de 2,5 quilômetros de lojas e apartamentos em seus arredores.
Ela avançou por um rio e alagou o novo distrito de varejo, saltou por cima do muro do porto, virou à esquerda e arrasou quadras inteiras do centro velho da cidade, invadindo prédios inteiros 100 metros ou mais.
Segundo o mais recente levantamento, aproximadamente 17 mil ficaram ilhados, ou mais de um entre cinco habitantes, e havia 211 mortos no necrotério.
Haverá mais, pois a simples escala dos estragos impede os esforços de contar os mortos e desaparecidos. As autoridades de emergência dizem que os cadáveres presentes em centros comunitários periféricos ainda não foram computados. Equipes de resgate de Tóquio e outros lugares estão apenas iniciando as buscas em muitas áreas.
Mas as autoridades não estão preocupadas com o número de mortos por ora. Há muito mais o que fazer.
“Ao longo da costa, tudo desapareceu”, disse Komatsu Mikio, o chefe das finanças em Kesennuma. “Ela foi totalmente varrida. Nós não estamos priorizando a recuperação dos corpos. Nós precisamos liberar estradas, restabelecer o fornecimento de eletricidade e água. Essa é nossa meta principal. E enquanto fizermos isso, nós encontraremos os corpos.”

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