quinta-feira, 24 de outubro de 2013


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O Estado de decrepitude de um cemitério que abriga os restos mortais de centenas de membros de uma das mais famosas forças de combate da China durante a Segunda Guerra Mundial reacendeu as dúvidas sobre como o país honra alguns de seus veteranos.
Em agosto passado, as sepulturas de militares chineses que serviram nessa força de combate, conhecida como Flying Tigers (Tigres Voadores), foram redescobertas numa encosta coberta de lixo da cidade de Kunming, que é capital da província de Yunnan e está localizada no sul da China. Mas, apesar das promessas oficiais feitas à época, segundo as quais o cemitério seria restaurado, pouco foi feito até o momento.
A Segunda Guerra Mundial continua sendo um assunto delicado no Leste Asiático, e a China tem se queixado frequentemente do que considera demonstrações insuficientes de arrependimento por parte do Japão pelo sofrimento infligido a seus vizinhos chineses. Ao mesmo tempo, Pequim subestimou partes da própria história da China durante a guerra, especialmente as contribuições do governo nacionalista.
Nos últimos anos, os líderes comunistas da China promoveram um maior reconhecimento do papel dos nacionalistas na luta contra o Japão, e grupos de voluntários restauraram locais relacionados ao período, captaram recursos e se envolveram para ajudar os últimos veteranos sobreviventes.
Poucos combatentes da época da guerra foram tão celebrados quanto os Flying Tigers. A unidade, oficialmente conhecida como Grupo Voluntário Norte-americano (American Volunteer Group), era formada por pilotos norte-americanos reformados que foram organizados com a aprovação sigilosa do presidente Franklin D. Roosevelt para lutar pelo exército chinês nos meses que antecederam a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Em aeronaves decoradas com um tubarão de boca aberta, os pilotos combateram contra as forças japonesas na China e na Birmânia.
Depois que o ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, deixou a América desnorteada, o sucesso inicial dos Flying Tigers contra os combatentes japoneses proporcionou um estímulo fundamental para o moral dos aliados. "Uma esperança resplandecente surgiu após três catastróficos meses de guerra", escreveu a revista Life sobre a unidade, em março de 1942. Posteriormente, naquele mesmo ano, o ator John Wayne interpretou em Hollywood o papel do líder do grupo no filme "Flying Tigers".
De certa maneira, os Flying Tigers estão passando por um renascimento na China. O The Flying Tigers Heritage Park está sendo construído em Guilin, uma base de guerra localizada na província de Guangxi. No ano que vem, John Woo, cineasta nascido em Hong Kong e diretor de filmes de ação como "The Killer – O Matador", "Penhasco Vermelho" e "Missão Impossível 2", deve começar a trabalhar em um filme e uma minissérie sobre os Flying Tigers.
O Museu Flying Tigers de Kunming foi inaugurado em dezembro do ano passado. Ao sul da cidade de Kunming, no Lago Dian, os pesquisadores estão procurando os destroços de um avião P-40 dos Flying Tigers que caiu durante um treinamento realizado em 1942.
A menos de 10 quilômetros de distância, os túmulos de cerca de 500 chineses, entre tradutores, membros da tripulação de solo e de outros associados que atuavam na unidade, seguem sendo negligenciados em Changchun Hill. O jornal The City Times, de Kunming, informou em 12 agosto passado --três dias antes do 68º aniversário do fim da guerra na Ásia-- que as sepulturas haviam sido violadas e que os restos mortais tinham sido espalhados, com pedaços de caixões de madeira apodrecendo na superfície do terreno. A reportagem foi amplamente divulgada por jornais chineses e por vários sites.
No Japão, alguns membros do gabinete marcaram o aniversário da derrota do seu país com uma visita ao Santuário de Yasukuni, onde vários criminosos de guerra foram imortalizados juntamente com 2,5 milhões de vítimas japonesas do conflito. O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, não compareceu ao evento, mas enviou uma oferenda e fez um discurso no qual não pediu desculpas pelo sofrimento infligido pelo Japão aos chineses. Mais uma vez, os líderes chineses expressaram sua raiva em relação às palavras e ações dos líderes japoneses.
Mas alguns chineses dizem que, apesar de seu governo se concentrar no comportamento do Japão, ele não tem respeitado a própria história da China.
"Criminosos de guerra japoneses são endeusados como heróis nacionais no Santuário de Yasukuni, mas os Flying Tigers, que são os heróis de guerra chineses, são vistos como lixo para ser descartado em uma colina", escreveu o poeta e romancista chinês Bei Cun. "Sete décadas atrás, a China era uma vencedora. Mas sete décadas depois, a China está derrotada, e derrotada de uma maneira mais trágica, pois essa derrota faz com que as futuras gerações duvidem dos valores do país, da importância do sacrifício e da dignidade da vida".
O abandono do cemitério de Kunming tem raízes na calamitosa história do pós-guerra da China. A rendição do Japão, em 1945, encerrou a desconfortável aliança de guerra firmada entre as forças nacionalistas de Chiang Kai-shek e os comunistas --e fez com que os dois lados voltassem suas armas um contra o outro. A guerra civil terminou com a vitória comunista em 1949 e o recuo dos nacionalistas para Taiwan.
Durante décadas, o governo comunista retratou os nacionalistas como inimigos. Os veteranos nacionalistas que permaneceram no continente sofreram perseguições, e até mesmo aqueles que morreram lutando contra os japoneses foram tratados como inimigos. Cemitérios instalados em cidades como Tengchong, onde houve intensos combates durante a guerra, foram vandalizados durante a Revolução Cultural.
Nos últimos anos, a liderança do Partido Comunista da China começou a reconhecer os esforços de guerra dos nacionalistas. Em um discurso proferido em 2005, o presidente da China à época, Hu Jintao, reconheceu as contribuições dos nacionalistas. Os veteranos nacionalistas chineses que sobreviveram à guerra foram premiados com medalhas comemorativas para agradecer pelos serviços prestados durante o conflito. Neste verão, o governo chinês se comprometeu a ajudá-los a receber benefícios previdenciários.
Grupos de voluntários lideraram os esforços de reconhecimento muito antes de o governo chinês se envolver nessa causa. Eles rastrearam os veteranos nacionalistas sobreviventes, reuniram doações para ajudar com as despesas deles e procuraram cemitérios abandonados.
O cemitério de Kunming foi originalmente instalado perto do Aeroporto de Wujiaba e já chegou a ter cerca de 800 sepulturas. Depois da guerra, os restos mortais de mais de 200 norte-americanos foram transferidos para os Estados Unidos, de acordo com historiadores chineses. No início da década de 1950, os túmulos chineses foram abertos e os camponeses usaram carros de boi para remover os caixões e as lápides e instalá-los em um local a 4 km de distância para dar lugar a um armazém, informou a revista Sanlian Life em 2010. Em seguida, no início do Grande Salto Adiante, em 1957, quando o país embarcou em uma desastrosa campanha de coletivização, as lápides foram removidas para serem utilizadas na construção de reservatórios.
Depois que o cemitério foi redescoberto por voluntários, em 2007, o governo local disse que construiria um local adequado para os restos mortais dos veteranos. Mas essa iniciativa foi frustrada pelas normas de incorporação e por questões relacionadas à definição dos proprietários das terras, de acordo com o jornal City Times. "A colina está completamente igual ao que era antes, mas o estado do cemitério está ainda mais caótico", disse o jornal.
Os membros do Instituto de Pesquisa dos Flying Tigers da província de Yunnan, grupo de voluntários de Kunming que divulgou o estado do cemitério, recusaram pedidos de entrevistas.
Ge Shuya, pesquisador independente de temas históricos que atua na província de Yunnan, disse que os atrasos foram resultado de um debate sobre como batizar o cemitério.
Um cemitério com o nome de "Flying Tigers" atrairia mais atenção, disse Ge, mas seria incorreto. Como os corpos dos soldados norte-americanos que fizeram parte da unidade foram removidos há muito tempo, o local não deve ser considerado um cemitério dos Flying Tigers, disse Ge. "O motivo para o local ainda não ter sido protegido, acredito eu, está relacionado ao fato de que existem pessoas que ainda querem batizar o cemitério com o nome dos Flying Tigers", disse ele.
Em 15 de agosto passado, Li Yulian, autoridade do Departamento de Assuntos Civis do distrito de Kunming, disse à agência de notícias estatal Xinhua que o governo tomou as medidas básicas para proteger o cemitério, mas que ele ainda está em más condições depois de décadas de negligência. Ela prometeu que o governo vai acelerar a recuperação do local. Mas, segundo ela, o cemitério será dedicado à Força Aérea chinesa, e não aos Flying Tigers.

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