Em um fim de semana normal, os frequentadores
do bar Floyd the Dog costumam sair à calçada, copos de bebida na mão, para
fumar.
Numa noite de sábado
recente, porém, alguns preferiram ficar dentro do bar com as janelas fechadas e
o ventilador ligado para impedir a entrada do mau cheiro. Do outro lado da rua,
uma pilha colossal de lixo se espalhava ao redor de três grandes lixeiras,
cozinhando sob o sol.
O Líbano está vivendo
uma crise de lixo, com imensas quantidades de detritos amontoadas por toda
Beirute e outros lugares. Muitos libaneses veem isso como a mais nova e clara
manifestação da impotência governamental.
"É um importante
sinal de que o governo é disfuncional e não consegue atender às necessidades
básicas da população", disse Mario Abou Zeid, pesquisador do Centro
Carnegie para o Oriente Médio, em Beirute.
Por toda a capital
libanesa, o lixo tomou conta das calçadas e se amontoa sobre carros
estacionados, obrigando o pedestre a tapar o nariz e conter a náusea provocada
pelo cheiro adocicado de comida estragada que exala das áreas residenciais.
Funcionários de estacionamentos e de postos de combustível que são obrigados a
trabalhar ao ar livre usam máscaras cirúrgicas para reduzir o mau cheiro.
Muitos moradores já deixaram a cidade.
Segundo Abou Zeid, a
crise do lixo é um exemplo da incapacidade do governo de cuidar dos problemas
do país. "Se em assuntos domésticos como esse eles não conseguem agir nem
chegar a um acordo, o que farão diante de questões mais sérias?"
A guerra civil na
vizinha Síria e os mais de 1,2 milhão de refugiados que lotam o Líbano estão
exaurindo a economia e a capacidade do governo de prover serviços.
As divisões políticas
deixaram o país sem presidente durante 14 meses, e o Parlamento atual prolongou
seu mandato no ano passado, basicamente reelegendo-se por não obter consenso
para uma lei que regulamentasse novas eleições.
A política
disfuncional não é novidade no Líbano, um país que tinha 4,2 milhões de
habitantes antes da guerra na Síria. Desde que a guerra civil libanesa
terminou, em 1990, uma constelação de partidos políticos, em geral sectários,
tenta governar por consenso -artigo geralmente em falta no mercado.
Durante 20 anos, o
lixo produzido em Beirute e grande parte do Líbano central foi enviado para um
aterro sanitário próximo a Naimeh, ao sul da capital. Desde então, sua
capacidade foi esgotada diversas vezes. No ano passado, em protesto à renovação
do contrato de descarga, as famílias das comunidades próximas bloquearam a
estrada de acesso ao aterro, o que provocou o acúmulo do lixo em Beirute.
Os manifestantes
reabriram a estrada na semana seguinte, depois que o governo prometeu encontrar
uma alternativa até este ano. Não conseguiu. No dia 17 de julho, os
manifestantes voltaram, desta vez para demonstrar a falta de confiança no
governo e prometer que permaneceriam ali até que houvesse uma solução.
As montanhas de lixo
em decomposição e a frustração da população só aumentaram. "Deixar que uma
coisa dessas aconteça em Beirute, uma cidade tão populosa, é incompreensível",
disse Karim El-Jisr, diretor regional da empresa de consultoria ambiental
Ecodit.
Só no dia 27 de julho
o governo anunciou algumas medidas para pôr fim à crise, entre elas a coleta do
lixo em Beirute, a distribuição para locais não divulgados e apoio financeiro
para as áreas que recebem os detritos.
Recentemente,
manifestantes protestaram no centro da cidade, alguns pendurando sacos de lixo
na cerca de arame farpado que protege a sede do governo. Os libaneses postam
nas mídias sociais fotos de seu lixo acumulado, bem como selfies com os garis e
piadas sobre os políticos locais.
O bar Floyd the Dog e
comerciantes locais contrataram um pequeno trator para limpar a rua, mas o
tratorista adoeceu antes de terminar o serviço por inalação dos gases, segundo
Ibrahim Kadi, o barman. Ele não acredita que os políticos libaneses se
esforçarão para encontrar uma solução definitiva. "Eles nunca vão resolver
o problema", disse. "Por mais séria que seja a ferida, vão tapar com
Band-Aid."
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