segunda-feira, 17 de agosto de 2015


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Nos EUA, muitos governos estaduais tentaram impedir o aborto impondo severas restrições a profissionais e clínicas, supostamente para a proteção das mulheres, apesar da oposição da Associação Médica Americana.
Na Índia, desenrola-se uma inversão curiosa dessa história: o governo tenta reduzir as qualificações exigidas dos profissionais, para facilitar o acesso das mulheres pobres ao aborto, enquanto os médicos são contrários ao relaxamento das regras.
O aborto é permitido na Índia sob condições relativamente liberais -por exemplo, uma falha no método anticoncepcional. Embora sua situação jurídica seja incontroversa, o tema em si, como todas as questões sexuais, é tabu no país. As mulheres devem muitas vezes lidar com a gravidez indesejada em segredo.
A falta de instalações médicas adequadas nas zonas rurais e nos bairros urbanos pobres obrigam muitas mulheres a tentar abortar sozinhas ou buscar os serviços de parteiras não profissionais.
Uma organização internacional de assistência ao aborto, Ipas, estima que cerca de 5 milhões de abortos foram realizados na Índia em 2013, sendo mais da metade deles insegura. Em média, uma mulher indiana morre a cada duas horas por causa desses procedimentos, e talvez cem vezes mais fiquem com deficiências temporárias ou vitalícias.
Em outubro de 2014, o governo indiano propôs uma emenda legislativa que permitiria que os abortos fossem realizados por enfermeiras registradas, com formação especial, e praticantes licenciados de sistemas de medicina tradicionais alternativos, como ayurveda, unani, siddha e homeopatia (que, juntamente com a ioga e a naturopatia, são difundidos na Índia e têm seu próprio departamento federal, conhecido pela sigla Ayush).
Vários países em desenvolvimento já empregam com segurança esses profissionais, incluindo Nepal e Bangladesh, vizinhos da Índia. Testes feitos na Índia demonstraram que as enfermeiras e os médicos ayurvédicos praticavam abortos no primeiro trimestre com a mesma eficácia que os médicos.
Os limites da emenda proposta também foram definidos por médicos alopatas.
Apesar de grupos de mulheres terem elogiado a proposta, a Associação Médica Indiana realizou uma vigorosa campanha contra ela, caracterizando os estudos de funcionalidade como más práticas médicas. A Federação de Sociedades Obstétricas e Ginecológicas da Índia, que participou do processo jurídico e da autoria de um dos estudos de funcionalidade, mais tarde repudiou sua própria declaração de políticas e hoje também é contra a proposta.
O motivo básico apresentado para essa oposição -preocupação com a saúde das mulheres- é tão enganoso na Índia quanto nos EUA. Os médicos sabem que kits de drogas para aborto, como a maioria dos remédios vendidos sob receita médica na Índia, são encontrados sem autorização e que sua autoadministração generalizada causa grande número de lesões e mortes.
Profissionais de nível médio poderiam ser facilmente treinados para verificar se uma gestação está na fase inicial recomendada, garantir que o protocolo de medicação seja seguido corretamente e contatar um supervisor em caso de complicações.
Para as mulheres pobres, enfermeiras seriam menos intimidativas que médicos homens, que predominam na Índia. Ao aumentar o acesso e introduzir uma camada de segurança na prática atual, a emenda ajudaria a reduzir a taxa de mortalidade natal na Índia, a mais alta do mundo.
Outra objeção é que diante da pressão sobre as mulheres indianas para que tenham filhos homens, a política promoveria mais abortos de fetos femininos. No entanto, a maior parte da determinação de gênero ocorre durante o segundo trimestre, enquanto a emenda expande o grupo de provedores só para o primeiro trimestre.
A verdadeira origem da tensão é a promoção pelo governo da medicina alternativa como um equivalente médico mais barato à medicina alopática (ocidental).
No ano passado, o departamento de Ayush foi elevado à posição de ministério. Seu chefe, Shripad Naik, afirma que os britânicos "suprimiram a medicina indiana e tentaram nos impor a alopatia".
Existem preocupações legítimas contra dar uma posição equivalente à Ayush e à medicina alopática. Embora os tratamentos Ayush possam ser eficazes em condições crônicas, muito poucos são apoiados por evidências científicas rigorosas.
No entanto, os médicos ayush fornecem serviços valiosos nas áreas rurais e urbanas pobres, onde os médicos alopatas relutam em trabalhar. Uma meta do governo em longo prazo, coerente com as recomendações da Organização Mundial de Saúde, é integrar os dois sistemas. Isto apresenta desafios éticos e logísticos, por isso o progresso poderá lento e marcado por atritos.
É uma pena que a emenda do aborto, com seu alcance limitado e claro potencial de salvar vidas, seja apanhada nessa guerra de interesses. O governo recuou em sua proposta e incluiu somente procedimentos induzidos por drogas, um meio termo que os médicos alopatas deverão aceitar. Eles deveriam levar em conta, mesmo que os legisladores americanos não o tenham feito, o fato de que misturar política com questões de saúde prejudica os segmentos mais pobres da sociedade.

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