Aqui onde os
contrafortes dos Andes mergulham na selva amazônica, cerca de mil engenheiros e
operários chineses despejam concreto para construir uma barragem e um túnel
subterrâneo de 24 km. Esse projeto de US$ 2,2 bilhões alimentará com água oito
gigantescas turbinas chinesas que juntas deverão produzir eletricidade
suficiente para iluminar mais de um terço do Equador.
Enquanto isso, bancos
chineses negociam a concessão de um empréstimo de US$ 7 bilhões para a
construção de uma refinaria que poderia fazer do Equador um importante produtor
de gasolina, diesel e outros derivados do petróleo.
Em todo o país, o
dinheiro chinês está construindo estradas, pontes e hospitais. Os bancos
estatais chineses já destinaram quase US$ 11 bilhões ao país, e o governo
equatoriano quer mais.
A rápida expansão da
presença chinesa por aqui é um depoimento eloquente sobre a mutante ordem
mundial atual. A China está impondo sua influência econômica a fim de
conquistar aliados diplomáticos, de investir sua vasta riqueza, de promover sua
moeda e de garantir os recursos naturais.
A moeda chinesa, o
yuan, em breve deverá ser ungida como nova divisa global de reserva, entrando
para uma categoria de elite da qual participam o dólar, o euro, a libra e o
iene. Seu banco público de desenvolvimento já ultrapassou o Banco Mundial na
concessão de créditos internacionais. Cinquenta e sete países já manifestaram
apoio à ideia chinesa de criar uma instituição internacional de fomento para
financiar transportes e demais infraestruturas.
Apesar da atual crise
nas Bolsas chinesas, é improvável que o país se torne menos resoluto. A China
tem quase US$ 4 trilhões de reservas em moeda estrangeira.
Os líderes chineses
descrevem os investimentos no exterior como um gesto simbiótico. "A atual
cooperação industrial entre a China e a América Latina ocorre no momento
certo", disse o premiê Li Keqiang em maio. "A China tem capacidade de
fabricar equipamentos e tecnologia integrada com preços competitivos, enquanto
a América Latina tem uma demanda por expansão da infraestrutura e modernização
industrial."
No entanto, essa
demonstração de poderio financeiro deixa a China -e o resto do mundo- mais
vulnerável. A China se expõe a regimes políticos instáveis, a mercados voláteis
e a outras forças econômicas fora do seu controle. A Rússia, que está à beira
de uma recessão, tem aprofundado seus laços com a China. A lista de
beneficiários do crédito chinês na África e no Oriente Médio soa como um rol de
regimes problemáticos e de economias que poderão ter dificuldades em pagar suas
dívidas, como Iêmen, Síria, Serra Leoa e Zimbábue.
A China está forçando
os países a seguirem suas próprias regras financeiras. Por causa desses
empréstimos, muitas nações em desenvolvimento pagam juros altos e abrem mão dos
seus recursos naturais durante anos. A China controla quase 90% das exportações
equatorianas de petróleo, principalmente para o pagamento de empréstimos.
"Os chineses estão indo às compras no mundo todo, transformando seus
recursos financeiros em recursos minerais e investimentos", disse Alberto
Acosta, ex-ministro de Energia do Equador. "Eles chegam com financiamento,
tecnologia e técnicos, mas também com juros altos."
A China também tem um
histórico complicado quando se trata de segurança trabalhista, normas
ambientais e governança corporativa. Alguns desses problemas já surgiram no
Equador.
A poucos quilômetros
da futura usina hidrelétrica, o rio Coca se lança numa cascata de 146 metros,
passando por cânions acidentados em direção à Amazônia. É a cachoeira mais alta
do Equador, uma popular atração turística.
Quando a barragem
estiver concluída e a água for desviada para a usina, as quedas de San Rafael
virarão um mero filete de água durante parte do ano. Como a mudança climática
já está encolhendo a geleira andina que alimenta o rio, especialistas debatem
se o local terá água suficiente para gerar pelo menos metade da eletricidade
prevista.
Equatorianos que
participam do projeto chinês repetidamente protestam contra os baixos salários,
o atendimento médico, a comida e as condições de trabalho em geral. Em
dezembro, um rio subterrâneo explodiu num túnel do canteiro de obras. A água
inundou a casa de máquinas, matando 14 operários. Foi um entre vários acidentes
graves em projetos chineses no Equador.
A China é o maior
comprador mundial de petróleo, o que lhe confere influência substancial sobre a
política petroleira.
Ao se tornar a maior
potência industrial do mundo, o país ficou sedento por energia. Nos últimos
anos, as empresas petrolíferas chinesas controladas pelo Estado adquiriram grandes
participações em operações de petróleo em Camarões, Canadá, Cazaquistão,
Quirguistão, Iraque, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Sudão, Uganda, EUA e
Venezuela.
No final de 2008, o
presidente equatoriano, Rafael Correa, descreveu como "imoral e
ilegítima" grande parte da dívida do seu país, contraída principalmente
junto a investidores ocidentais, e parou de pagá-la, o que resultou num default
da dívida. E então o Equador se viu num beco sem saída. A crise financeira global
estava se instaurando, e o preço do petróleo desabou. O Equador e a
Petroecuador, a sua empresa petrolífera estatal, começaram a ficar com pouco
dinheiro.
A PetroChina, empresa
petrolífera sustentada pelo governo, emprestou US$ 1 bilhão à Petroecuador em
agosto de 2009, pelo período de dois anos, a juros de 7,25%. Em menos de um
ano, mais dinheiro chinês começou a entrar para outros projetos de
infraestrutura.
A verba chinesa,
porém, chega com condições próprias. Além de pagar juros altos, o Equador
também precisa usar majoritariamente empresas e tecnologias chinesas nos
projetos. As regras internacionais limitam a maneira pela qual os países
industrializados podem amarrar os empréstimos a esse tipo de acordo. No
entanto, a China, que ainda é considerada um país em desenvolvimento, apesar de
ser a maior potência industrial do mundo, não precisa seguir essas normas.
Essa é uma das razões
que motivam críticas nos Estados Unidos ao esforço chinês de criar o Banco
Asiático de Investimento em Infraestrutura, um fundo de desenvolvimento
internacional. Washington teme que a China crie suas próprias regras, com menos
exigências em termos de transparência, governança e proteção ambiental.
Embora a China tente
atenuar esses temores, a carteira de projetos do fundo no mundo inteiro impõe
termos rigorosos e padrões eventualmente brandos demais. Desde 2005, o país já
destinou US$ 471 bilhões a contratos de construção.
No Equador, um
consórcio de empresas chinesas está supervisionando um projeto de irrigação e
controle de inundações na província de Cañar, no sul. Uma empreiteira chinesa
construiu uma ponte de US$ 100 milhões cruzando o rio Babahoyo perto do
litoral.
Acordos desse tipo
geralmente favorecem os chineses. A PetroChina e a Sinopec, outra empresa
chinesa controlada pelo Estado, bombeiam juntas cerca de 25% dos 560 mil barris
de petróleo produzidos diariamente no Equador. Elas também cobram tarifas de
US$ 25 a US$ 50 do Equador por barril extraído.
No Equador, o
petróleo representa cerca de 40% da arrecadação pública, segundo o Departamento
de Energia dos EUA. Esses lucros estão despencando com o preço do petróleo. Com
o petróleo bruto cotado a cerca de US$ 50 por barril, não sobra muito ao
Equador para saldar suas dívidas.
Se o Equador ou
outros países não conseguirem arcar com essas dívidas, suas obrigações para com
a China devem aumentar.
Um importante
executivo bancário chinês, falando sob a condição de anonimato por razões
diplomáticas, disse que Pequim provavelmente prolongaria a vigência dos
empréstimos em vez de perdoar uma parte do valor principal. Isso significa que
os países precisarão entregar seus recursos naturais durante mais anos, o que
limita a capacidade de seus governos de contraírem novos empréstimos e buscarem
outras oportunidades de desenvolvimento.
A China tem
influência suficiente para garantir que seus devedores paguem o que devem.
Sendo o principal fabricante de uma longa lista de bens, Pequim pode fazer
ameaças factíveis de barrar os embarques para países que não pagarem suas
dívidas.
"A China tem o
direito de assegurar fontes confiáveis de petróleo, mas precisamos nos
preocupar sobre a forma pela qual os chineses estão incentivando os países
produtores de petróleo a hipotecarem o seu futuro em longo prazo por meio de
empréstimos garantidos pelo petróleo", disse David Goldwyn, ex-enviado
especial do Departamento de Estado dos EUA para assuntos energéticos
internacionais, cargo que exerceu durante o primeiro mandato do presidente
Barack Obama.
Confiantes no
patrocínio chinês, o Equador vem avançando celeremente no projeto da refinaria
de Manta. Operários equatorianos já aterraram 800 hectares para a futura
Refinería del Pacífico. Os operários estão ocupados instalando tubos de
fabricação chinesa. O Equador já gastou US$ 1 bilhão do seu próprio dinheiro no
projeto. No entanto, os tubos chegam apenas a planaltos vazios, cheios de
areia. Os bancos chineses não aceitaram oficialmente financiar US$ 7 bilhões do
projeto, que ao todo deverá custar cerca de US$ 10 bilhões.
Dependendo do que
acontecer, a refinaria será a joia da coroa da relação sino-equatoriana, ou um
custoso monumento aos limites da generosidade de Pequim.
Embora autoridades e
executivos chineses se digam interessados no projeto, as negociações estão
paralisadas. Os altos executivos da PetroChina têm dúvidas. Mesmo antes de o
preço do petróleo começar a cair, a empresa cortou acentuadamente os gastos em
investimento.
As perspectivas para
o projeto da refinaria equatoriana atualmente parecem nebulosas.
Vários especialistas
equatorianos em energia questionam o sentido econômico do projeto. O Equador,
dizem eles, não tem como justificar a refinaria se o país não aumentar
significativamente a produção petrolífera. Para que isso aconteça, porém, é preciso
perfurar mais profundamente a Amazônia, uma proposta ambientalmente arriscada e
cara. "Se não houver garantia de mais produção, essa refinaria será um
elefante branco", disse Mauricio Pozo Crespo, ex-ministro da Economia.
A incerteza preocupa
muita gente no Equador.
"Correa diz que
não há limite para o quanto podemos tomar emprestado da China", disse o
ex-ministro Acosta. "Mas, se os chineses não puserem dinheiro, não haverá
refinaria. Tenho minhas dúvidas."
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