sábado, 3 de outubro de 2015


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Há uma cena memorável em “Táxi”, o último filme do diretor iraniano dissidente Jafar Panahi, em que sua espirituosa sobrinha, hoje com 11 anos, recita as regras para se fazer um filme no Irã.
Elas incluem: respeitar o uso do véu, evitar o contato entre homens e mulheres, evitar a violência, evitar discutir questões políticas ou econômicas e evitar o “realismo sórdido”.
O diretor, que interpreta um motorista de táxi em Teerã, sorri em silêncio, e os dois conversam sobre as dificuldades de se respeitar as regras. A cena é típica de “Táxi”, um filme que funciona em muitos níveis —como uma meditação sobre o cinema, uma condenação à liderança iraniana e uma comemoração da energia dos cidadãos do país—, mas também usa sua seriedade com leveza, mesmo quando as apostas são altas.
“Táxi” é o terceiro filme não autorizado feito por Panahi desde 2010, quando ele foi preso e condenado por criar propaganda contra o governo. Depois de sua libertação da prisão, ele foi proibido de fazer filmes durante 20 anos. “Táxi” foi produzido informalmente, sem autorizações ou aprovação do script pelo governo, usando atores amadores e algumas câmeras dentro de um carro. Apesar disso, ganhou o principal prêmio no Festival de Cinema de Berlim em fevereiro.
Em uma época em que o interesse internacional pelo Irã é reforçado pelo acordo nuclear, “Táxi” oferece uma rara visão da sociedade iraniana. Ao longo de um dia, Panahi conduz passageiros por Teerã, entre eles um homem ferido, um fornecedor de DVDs piratas, um advogado de direitos humanos e duas mulheres idosas que vão visitar um santuário religioso.
“Panahi trabalha na tradição da miniatura persa”, disse o diretor de teatro Peter Sellars. “Você pode fazer alguns gestos minúsculos que são todo um universo. E dentro da miniatura —uma série de viagens de táxi— existe, na verdade, um retrato do país inteiro.”
“Uma das coisas mais comoventes é que o filme não é um gesto de revolta contra o regime”, acrescentou. “Ele tem sua equanimidade, seu humor e sua normalidade. Funciona igualmente como metáfora e como realidade.”
Um dos mais conhecidos cineastas do Irã, Panahi, 55, trabalhou como cinegrafista do Exército durante a guerra Irã-Iraque na década de 1980. Ele conquistou destaque internacional em 1995 com “O Balão Branco”, uma história de inspiração neorrealista sobre uma menina à procura de um peixe de aquário, escrita pelo diretor iraniano Abbas Kiarostami.
Panahi começou a se inimizar com o regime iraniano com “O Círculo”, um filme sombrio de 2000 sobre a condição das mulheres no Irã, tema predominante em sua obra. Proibido no país, ele foi levado às escondidas para o Festival de Veneza, onde ganhou o primeiro prêmio.
Em 2009, Panahi envolveu-se no chamado Movimento Verde, grandes manifestações contra o governo que pretendiam derrubar o presidente na época, Mahmoud Ahmadinejad.
Panahi foi preso em 2010 enquanto fazia um longa-metragem sobre o movimento. Passou três meses na famosa prisão de Evin antes de ser libertado. Enquanto estava detido, fez greve de fome e importantes figuras do cinema internacional se manifestaram em seu apoio.
“Creio que essa foi uma das principais razões que o levaram a ser solto”, disse Jamsheed Akrami, professor de cinema na Universidade William Paterson, em Nova Jersey, que mantém contato regular com Panahi.
Depois da libertação, Panahi foi proibido durante 20 anos de fazer filmes, escrever roteiros, falar com a mídia ou sair do país.
Hoje ele vive em um limbo jurídico e enfrentaria seis anos de prisão se as autoridades decidissem acusá-lo de violar a proibição. Seu passaporte foi confiscado, mas, ao contrário de alguns relatos na mídia, ele não está em prisão domiciliar, segundo pessoas em contato com ele.
“Táxi” é seu terceiro filme desde a proibição, depois de “Isto Não É um Filme” (2012), feito em seu apartamento em Teerã, e “Cortinas Fechadas” (2014), que, como “Táxi”, mistura fato e ficção.
Panahi não pôde ser entrevistado para esta reportagem. Depois do êxito de “Táxi” em Berlim, ele ficou temeroso de atrair mais atenção. “Ele não quer colocar o governo em uma situação que tenha de prendê-lo”, disse Akrami.
No Irã, os filmes de Panahi só foram vistos por públicos reduzidos, em sessões privadas. Depois da vitória de “Táxi” em Berlim, Panahi deu uma entrevista em que disse que gostaria que o filme fosse exibido no Irã. “Não há prêmio mais valioso do que ver meu filme com meus conterrâneos, em meu país.”

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