Há uma cena memorável em “Táxi”, o último filme do diretor iraniano
dissidente Jafar Panahi, em que sua espirituosa sobrinha, hoje com 11
anos, recita as regras para se fazer um filme no Irã.
Elas incluem: respeitar o uso do véu, evitar o contato entre homens e
mulheres, evitar a violência, evitar discutir questões políticas ou
econômicas e evitar o “realismo sórdido”.
O diretor, que interpreta um motorista de táxi em Teerã, sorri em
silêncio, e os dois conversam sobre as dificuldades de se respeitar as
regras. A cena é típica de “Táxi”, um filme que funciona em muitos
níveis —como uma meditação sobre o cinema, uma condenação à liderança
iraniana e uma comemoração da energia dos cidadãos do país—, mas também
usa sua seriedade com leveza, mesmo quando as apostas são altas.
“Táxi” é o terceiro filme não autorizado feito por Panahi desde 2010,
quando ele foi preso e condenado por criar propaganda contra o governo.
Depois de sua libertação da prisão, ele foi proibido de fazer filmes
durante 20 anos. “Táxi” foi produzido informalmente, sem autorizações ou
aprovação do script pelo governo, usando atores amadores e algumas
câmeras dentro de um carro. Apesar disso, ganhou o principal prêmio no
Festival de Cinema de Berlim em fevereiro.
Em uma época em que o interesse internacional pelo Irã é reforçado
pelo acordo nuclear, “Táxi” oferece uma rara visão da sociedade
iraniana. Ao longo de um dia, Panahi conduz passageiros por Teerã, entre
eles um homem ferido, um fornecedor de DVDs piratas, um advogado de
direitos humanos e duas mulheres idosas que vão visitar um santuário
religioso.
“Panahi trabalha na tradição da miniatura persa”, disse o diretor de
teatro Peter Sellars. “Você pode fazer alguns gestos minúsculos que são
todo um universo. E dentro da miniatura —uma série de viagens de táxi—
existe, na verdade, um retrato do país inteiro.”
“Uma das coisas mais comoventes é que o filme não é um gesto de
revolta contra o regime”, acrescentou. “Ele tem sua equanimidade, seu
humor e sua normalidade. Funciona igualmente como metáfora e como
realidade.”
Um dos mais conhecidos cineastas do Irã, Panahi, 55, trabalhou como
cinegrafista do Exército durante a guerra Irã-Iraque na década de 1980.
Ele conquistou destaque internacional em 1995 com “O Balão Branco”, uma
história de inspiração neorrealista sobre uma menina à procura de um
peixe de aquário, escrita pelo diretor iraniano Abbas Kiarostami.
Panahi começou a se inimizar com o regime iraniano com “O Círculo”,
um filme sombrio de 2000 sobre a condição das mulheres no Irã, tema
predominante em sua obra. Proibido no país, ele foi levado às escondidas
para o Festival de Veneza, onde ganhou o primeiro prêmio.
Em 2009, Panahi envolveu-se no chamado Movimento Verde, grandes
manifestações contra o governo que pretendiam derrubar o presidente na
época, Mahmoud Ahmadinejad.
Panahi foi preso em 2010 enquanto fazia um longa-metragem sobre o
movimento. Passou três meses na famosa prisão de Evin antes de ser
libertado. Enquanto estava detido, fez greve de fome e importantes
figuras do cinema internacional se manifestaram em seu apoio.
“Creio que essa foi uma das principais razões que o levaram a ser
solto”, disse Jamsheed Akrami, professor de cinema na Universidade
William Paterson, em Nova Jersey, que mantém contato regular com Panahi.
Depois da libertação, Panahi foi proibido durante 20 anos de fazer filmes, escrever roteiros, falar com a mídia ou sair do país.
Hoje ele vive em um limbo jurídico e enfrentaria seis anos de prisão
se as autoridades decidissem acusá-lo de violar a proibição. Seu
passaporte foi confiscado, mas, ao contrário de alguns relatos na mídia,
ele não está em prisão domiciliar, segundo pessoas em contato com ele.
“Táxi” é seu terceiro filme desde a proibição, depois de “Isto Não É
um Filme” (2012), feito em seu apartamento em Teerã, e “Cortinas
Fechadas” (2014), que, como “Táxi”, mistura fato e ficção.
Panahi não pôde ser entrevistado para esta reportagem. Depois do
êxito de “Táxi” em Berlim, ele ficou temeroso de atrair mais atenção.
“Ele não quer colocar o governo em uma situação que tenha de prendê-lo”,
disse Akrami.
No Irã, os filmes de Panahi só foram vistos por públicos reduzidos,
em sessões privadas. Depois da vitória de “Táxi” em Berlim, Panahi deu
uma entrevista em que disse que gostaria que o filme fosse exibido no
Irã. “Não há prêmio mais valioso do que ver meu filme com meus
conterrâneos, em meu país.”
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