sábado, 7 de novembro de 2015


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Quase 20 anos atrás, Lee Geung-ja trabalhava em uma fábrica na Coreia do Norte quando um acidente com plástico derretido deixou seu rosto manchado e com cicatrizes. A maior parte de sua sobrancelha e sua pálpebra esquerdas foi destruída. Como ela disse, ficou parecendo “um monstro”.
Em 2010, Lee desertou para a Coreia do Sul, onde trabalhou sozinha limpando edifícios tarde da noite para evitar olhares.
Sua timidez não foi ajudada pelo fato de que a sociedade sul-coreana dá uma enorme importância à aparência, especialmente das mulheres: a cirurgia plástica é um presente comum para as meninas quando terminam o colégio.
“Quando eu caminho na rua ou tenho de encontrar outra pessoa, instintivamente baixo o rosto e viro para a esquerda, para não mostrar esse lado”, disse Lee, 40. “Na Coreia do Sul, onde até as pessoas de boa aparência fazem cirurgias plásticas, acho mais difícil competir com esse rosto.” Agora, Lee vai receber uma ajuda com a qual nunca sonhou: um cirurgião plástico se ofereceu para ajudá-la a recuperar em parte suas antigas feições e sua autoestima.
Trata-se de um programa lançado neste ano pela polícia e por voluntários da Associação Coreana de Cirurgiões Plásticos para ajudar os desertores da Coreia do Norte. Muitos dos 28 mil desertores que vivem no Sul carregam marcas que tornam difícil seu encaixe na sociedade capitalista.
Muitas vezes, eles ganham menos e são tratados como funcionários despreparados e emocionalmente instáveis. Além disso, são perseguidos por memórias de parentes que morreram de fome e por temores pelos que deixaram para trás. Esses medos levam muitos, inclusive os que foram entrevistados para esta reportagem, a adotar pseudônimos para proteger seus parentes.
Kim Kyeong-suk, que é superintendente na delegacia de Yongsan, em Seul, teve a ideia do programa depois de saber que muitas pessoas do Norte não conseguiam encontrar trabalho por causa de suas cicatrizes.
Para Lee Cheon-seong, uma tatuagem bastou para transformá-lo de patriota em pária. Em 1986, ele e vários camaradas militares da Coreia do Norte se tatuaram com promessas de lealdade a Kim Il-sung, o fundador do país.
Foi só quando Lee fugiu de um expurgo político e desertou para a Coreia do Sul, no ano passado, que ele soube que muitos sul-coreanos associam as tatuagens ao crime organizado. “A tatuagem sempre foi um problema nas entrevistas de emprego”, disse Lee, 45.
Agora, Hong Jeong-geun está removendo as tatuagens de Lee.
Para as autoridades sul-coreanas, ajudar os desertores a se adaptarem pode ser uma experiência na gestão de possíveis problemas sociais no futuro, caso as duas Coreias voltem a se unir.
Segundo uma pesquisa feita pelo governo, os desertores acreditam que sua situação econômica no Sul capitalista é inferior à que tinham no Norte. Eles ganham 66% de um salário médio sul-coreano, segundo a pesquisa. Seu índice de desemprego é quatro vezes maior que a média e o suicídio três vezes mais comum.
Lee fugiu da Coreia do Norte em 1998, no auge de uma crise, e entrou na China como imigrante ilegal. Ela conheceu um homem e teve um filho antes de chegar à Coreia do Sul.
Recentemente, Lee fez sua primeira consulta a Park Sang-hyeon em Seul. O médico disse que ela precisará de várias cirurgias.
Apesar do duro caminho que tem pela frente, ela acalenta um sonho modesto: ir a uma reunião de pais na escola de seu filho pela primeira vez.
“Meu maior medo era que meu filho sentisse vergonha de mim quando seus colegas vissem meu rosto”, disse.

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